sábado, 12 de dezembro de 2009

No meio do vale

Eu repousara o livro na mesinha, com os óculos fechados em cima e, ainda no sofá, buscava em vão pelo sono que se misturava às palavras daquela história. Num meio estado de consciência, meus ouvidos me alertaram que eu precisava levantar... Uma chuva fina caía, quase sem som, mas as janelas da casa, todas abertas, me fizeram deixar pra mais tarde a vã procura pela fuga da realidade.

A passos lentos, despreocupados demais para quem tinha aparelhos eletrônicos perto de cada janela, visitei cômodo por cômodo, fechando os vidros, que impediriam meu contato com o mundo lá fora. Após fechar a última delas, no quarto dos fundos, caminhei de volta à sala. O som da chuva já estava abafado, e me senti presa, sufocada dentro de uma casa vazia, sem saída.

Observei meus pés no tapete. Com a pressa, nem havia percebido o chão frio. Não pensara nos chinelos como minha única proteção, porque eu não queria proteção. Queria um contato real com as coisas. Essa minha mania de estar cercada pelos meus escudos o tempo todo, fechando as janelas para que a chuva não entre, para que ela não me molhe porque eu não quero sentir a realidade, às vezes me cansa. Sinto falta de um toque real. Essa janela entre mim e o mundo está sempre entreaberta, e talvez haja só um vidro fino e meio fosco entre nós. Talvez eu esteja enxergando tudo embaçado. Quem sabe a minha respiração na janela chegue a ser mais quente do que pensava ser meu corpo.

Decidi que já era hora de arriscar me molhar, de perder o medo. Voltei até a primeira janela que havia sido fechada e abri uma fresta, devagar. Primeiro, respirei a terra molhada. Fui aproximando meu rosto e, de repente, ele já estava do lado de fora. O vento sugava meus cabelos e os molhava nas pontas, mas isso já não me importava. Gotas começavam a cair no meu rosto, e quem visse de fora diria que eram lágrimas. E talvez fossem. Lágrimas de regozijo por estar entregue ao mundo e ao que ele quiser fazer de mim... Lágrimas por ter finalmente deixado de temer idéias alheias, deixado que elas me atingissem, permitido que o mundo lá fora me tocasse com as mãos. Já não me escondo numa toca de ilusões, onde sonhos são tudo o que há de bom, e viver neles é o suficiente, para não machucar. Eu quero me machucar, quero doer. Quero aprender a viver nas beiradas, que há topos e vales, que os rios podem ser mais intempestivos que o mar, apesar da aparente calma. Viver sob o movimento das ondas, tão previsíveis que são pode ser cômodo, mas jamais será pleno.

Nenhum comentário:

Postar um comentário