quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Momentos

Eu caminhava a passos lentos, distraídos, como quem sabe onde encontrar-se com o destino, mas deixa-o lá, esperando a hora certa. Milk shake numa mão, na outra uma sacola com discos que havia acabado de comprar. Nada melhor do que discos novos para acabar com os velhos sentimentos. Sentia apenas o ar quente no rosto; nos meus ouvidos, Isabella Taviani cantava suavemente - talvez houvesse até uma pitada de resignação na sua voz - que tinha mais o que fazer do que se enganar. Eu sempre fui vista como realista, alguém que não tem medo do futuro simplesmente porque não espera nada dele... Mas isso é apenas uma casca. Um modo de me defender das decepções que eu sei que surgirão. Não me engano para não me arrepender de ter esperado demais. Nada de anormal – as pessoas decepcionam, os sonhos mudam de lugar. De vez em quando, temos que varrer a casa, achar uma foto no canto da gaveta, colocá-la de volta álbum de retratos, sorrir pra ela e lembrar que esta simples lembrança não mais machuca, porque é assim que as coisas são. Todo corte que sangra e dói vira uma cicatriz. Pode demorar demais, ou então pode acontecer de ela simplesmente não ser desejada. Algumas pessoas não conseguem conviver com as marcas do seu passado, simplesmente por considerá-lo todo errado... Mas só porque as coisas deram errado no final, não deve querer dizer que foi tudo um erro... Erros são pela metade. Se fosse tudo um erro, não haveria sorrisos.
O que é mágico na nostalgia é saber que há uma lembrança boa escondida em algum lugar do passado. Ela é um misto de sensações... Sentimentos bons e ruins que se fundem num só: ter existido valeu a pena.
Enfim... Estava lá eu divagando pelas paredes da memória quando percebi que meu olhar acompanhava o carteiro. Ele devia passar por lá todos os dias, e certamente não notava as rosas no gramado da casa onde entregava a correspondência. O meu dia era diferente, era uma promessa de mudança de sons e conseqüentemente de ares, de humor, de pensamentos. Já ele, fazia seus movimentos como se fosse máquina, sem precisar pensar em nada. Ou então pensava na filha, na esposa. Talvez na amante. Talvez no limite do cartão... Quem é que sabe? Tantas pessoas interessantes podem passar por você, mas você não teve tempo de saber. De casa em casa, carta em carta. Cartas contêm segredos. Há coisas que só cartas podem dizer.
Enfim, chegou a vez de uma casa com o portão branco, daqueles vazados, um jardim bonito, sem carro na garagem – deviam estar todos trabalhando, estudando, viajando... E um cachorrinho minúsculo. O som alto me impediu de ouvir o latido, mas meus olhos o captaram. O carteiro simplesmente parou e ficou olhando para o cachorro, imaginando uma forma de enfiar logo a carta na caixa de correio, a pressa devia ser grande, mas não podia arriscar a mordida. Claro que uma mordida de um cachorro daquele porte não era algo que se pudesse temer, mas... Talvez o carteiro quisesse evitar inconvenientes. Dessa vez, ele teve que mudar o gesto robótico que fazia. Com destreza, primeiro abriu a tampinha com uma mão, olhou para o cachorro, esperou que ele pulasse, já tirando a mão. Assim que o cãozinho chegou ao chão, ele jogou a carta lá dentro. Quase não deu tempo!
Quando dei por mim, já estava quase errando meu caminho. Minha boca esboçava um sorriso, sem que eu tivesse percebido... Eu não conseguia entender o porquê de um sorriso depois de um dia tão complicado como o que eu tivera, nem como eu havia mudado minha expressão sem sequer notar... Mas há pequenos momentos, que na verdade não têm significado algum, não remetem a nenhuma boa lembrança, não trazem uma alegria racional; esses momentos têm nome: vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário